Natalidade atingiu nível mais baixo desde 1995
Natalidade atingiu nível mais baixo desde 1995
No ano passado nasceram apenas 109 266 bebés em Portugal - o número mais baixo desde 1995. Pelo terceiro ano consecutivo, houve uma queda na taxa de natalidade.
O fenómeno não é recente, nem tipicamente português - é essa a tendência um pouco por toda a Euro- pa -, mas torna-se cada vez mais preocupante. Actualmente, mais de metade das famílias não têm qualquer filho e 24% optam por ter um único filho. Apenas 3% dos casais têm três ou mais filhos. A situação só não é pior porque as vagas sucessivas de imigrantes rejuvenescem o mapa de Portugal.
"A queda da natalidade começou no início dos anos 60, até que em 1986 atingimos o indicador da fecundidade actual, que é de 1,4 filhos por mulher", explica Mário Leston Bandeira, presidente da Associação Portuguesa de Demografia. "Este indicador tem-se mantido constante e é o valor da Europa dos 15. É muito baixo. Significa que não estamos a assegurar a substituição das gerações." Envelhecemos a olhos vistos.
Ana Nunes de Almeida, investigadora do Instituto de Ciências Sociais, considera o caso português curioso: "Entrámos tarde na modernidade demográfica, mas, quando entrámos, fizemo-lo a uma velocidade vertiginosa. Os índices de fecundidade baixaram drasticamente."
O que os números mostram, antes de mais, é que há um acesso muito generalizado a métodos contraceptivos, sobretudo à pílula. Mas, como lembra Ana Nunes de Almeida, "é evidente que não teríamos uma procura de contracepção se não tivéssemos hoje valores diferentes em relação à família, aos casais, ao papel da mulher e à criança." A queda da natalidade é, em primeiro lugar, fruto de uma mudança de mentalidades.
Mulheres activas
"Sem contracepção e sem o controlo da natalidade, as mulheres continuariam a ter o mesmo papel na sociedade. A mulher libertou-se das maternidades sucessivas e isso é um progresso", diz Leston Bandeira. Hoje, as mulheres já não ficam em casa a tomar conta dos filhos. Pelo contrário, enchem as universidades, trabalham, têm uma carreira, ocupam cada vez mais lugares de chefia. "Isso é positivo, mas tem consequências", declara o demógrafo. A primeira é o adiamento da decisão de ter filhos. Não por acaso, actualmente as portuguesas têm o seu primeiro filho aos 27,5 anos.
Mais: as mulheres portuguesas são das que trabalham mais horas em toda a União Europeia, mas os homens continuam a não partilhar nem as licenças nem as responsabilidades da paternidade. "Quando são jovens, as mulheres competem em pé de igualdade com os homens no emprego", explica a investigadora Virgínia Ferreira, da Universidade de Coimbra. "À medida que começam a ter filhos, além das licenças e do horário reduzido, passam a estar menos disponíveis para fazer horas extraordinárias, para trabalhar em turnos nocturnos ou fins-de-semana, faltam mais." A mulher passa a ser prejudicada no seu emprego e, para evitar sentimentos de insatisfação e frustração, opta por ter menos filhos. A solução? Virgínia Ferreira deixa o desafio: "Temos que tirar os homens do emprego e mandá-los para casa."
Porque é preciso ter tempo de qualidade para dar a cada um dos filhos, dizem as teorias mais recentes. Nas últimas décadas, "as crianças passaram a ser vistas como seres únicos especiais, que merecem carinho e atenção dos pais", afirma Ana Nunes de Almeida. Não admira, portanto, que "a queda da fecundidade coincida com a massificação do ensino em Portugal." Em vez de irem trabalhar e contribuírem para o orçamento familiar, as crianças vão para a escola e ficam "afectiva e economicamente dependentes dos pais durante muito mais tempo".
Orçamento apertado
Claro que há opções: um dos membros do casal poderia ficar em casa ou trabalhar em tempo parcial para ter tempo para os filhos. "Poderia? Com os índices de pobreza do nosso país, isso é muito complicado", avisa Ana Nunes de Almeida. São poucas as famílias portuguesas que podem dispensar parte do seu rendimento ou que sequer possam contar com o apoio da família (onde estão os avós?) na difícil tarefa de educar as crianças. "O que me preocupa é o facto de os ideais de fecundidade de muitos casais serem superiores ao número de filhos que de facto têm, o que significa que há uma margem de insatisfação", conclui esta investigadora. Os portugueses têm noção de que o número de filhos influencia a sua qualidade de vida.
"Ter um filho implica uma grande disponibilidade para sacrifícios e ter recursos económicos para o sustentar. Ter um filho, hoje em dia, é um luxo", assegura Leston Bandeira. Um luxo com muitas despesas. A começar no preço das casas (mais filhos, mais assoalhadas) e das creches, passando por todos os outros gastos com as necessidades básicas e o lazer. "Temos um curva da fecundidade em U. Quem tem mais filhos são as classes mais pobres, menos informadas, e as classes altas. As classes médias têm menos filhos porque são as mais sacrificadas", diz Leston Bandeira.
Como alterar esta tendência? Para Ana Nunes de Almeida, o envelhecimento da população é "um sinal dos tempos", contra o qual nada pode ser feito. "É a sociedade que temos, não me parece que seja um problema. Preocupa-me na medida em que que uma sociedade envelhecida é muito menos aberta à inovação e à mudança." Apesar disso, a socióloga não tem dúvidas: "Devia compensar-se os corajosos que todos os dias têm filhos, mesmo os pais de um único filho ou de dois filhos. Porque com as condições que temos neste país é preciso ter coragem". * Com Céu Neves